terça-feira, janeiro 31, 2006

Febem em Osasco: a gente só quer do nosso jeito


Osasco vive mais sua nova grande polêmica: a construção das duas unidades da Febem, aqui perto na Chácara Everest, no extremo sul. A obra é do governo do Estado, num terreno do Estado, e a escolha da empreiteira responsável aconteceu a toque de caixa e anda a passos largos sem esperar que a Prefeitura sequer emitisse a documentação obrigatória, como o alvará de construção.
Estaria aí a única possibilidade da obra ser interrompida. A forma como os tecnocratas do Estado estão conduzindo o processo só faz aumentar a revolta dos osasquenses. Teve até uma audiência pública dissimulada, em outubro de 2005, a única realizada até hoje, que serviu só para avisar que a obra começaria no mês seguinte, novembro.
Por enquanto, o prefeito Emidio garante que não pode fazer nada para impedir a construção das Febems – o terreno é do Estado, ora bolas! –, e acusa o governador Geraldo Alckmin de não respeitar o trâmite necessário ao colocar máquinas no terreno sem antes obter o alvará de construção.
A OAB-Osasco, porta-voz das entidades locais, também torce o nariz quanto ao desrespeito ao meio ambiente - árvores nativas foram cortadas e isso já seria passível de processo por crime ambiental.
Moradores vizinhos futuros das Febems lamentam que nem sequer foram ouvidos para dizer o que pensam a respeito. Por isso, exigem um estudo de Impacto de Vizinhança detalhado e que reflita a realidade e leve em conta suas angústias. Um detalhe final não menos importante: tem gente séria na cidade, defensora dos direitos humanos, que em tese não é contra a construção das duas unidades da Febem em Osasco. Quer apenas rediscutir o modelo imposto pelos tecnocratas do Estado, tentando melhorar a cara das unidades – numa arquitetura mais arejada, sem cara de presídio, uma política sócio-educativa mais eficiente e os cerca de 90 internos que sejam provenientes de famílias osasquenses. É sonhar alto de mais?

Querem a cabeça do Dr. Cury - e você?



O médico André Sacco Jr, ex-secretário da Saúde de Osasco e vereador pela segunda vez, que diz ter a defesa da saúde do osasquense com a principal sua bandeira, se diz indignado com a falta de sensibilidade do secretário municipal de Saúde e vice-prefeito Faisal Cury. Sacco reclama que falta pulso ao colega, razão porque a saúde de Osasco se encontrar na UTI. Em entrevista concedida ao jornalista Jairo Camilo, após uma breve hesitação, ele pediu a demissão do titular da pasta, Faisal Cury. “Acorda Cury, o povo tem dor. (...) Já acabou o ano e não vimos nada. A dor não espera processo licitatório”. Leia alguns destaques da entrevista exclusiva ao Projeto Veracidade e não deixe de expressar a sua opinião no final.

Jairo Camilo – Uma pergunta para nortear nossa conversa: com que olhos você vê a saúde em Osasco? Como oposição ou como alguém que se identifica com o atual governo?
Dr. André Sacco – Veja bem... Eu tenho 43 anos de Osasco, sou médico aqui há 25 anos. Participei de outras administrações, fui vereador, tive a honra de ser valorizado como secretário de saúde no governo Celso Giglio. Enfim, como vereador eu tenho a obrigação de ter o olhar do cidadão, e como médico eu tenho a obrigação de sentir as necessidades que o cidadão tem. De sentir a dor que o cidadão tem. Portanto, a minha visão sobre a atual administração é bastante preocupante.

Jairo - Se tirarmos uma fotografia do momento atual, comparando com a época em que você era secretário do Celso, considerando as promessas de campanhas do Emidio, a saúde piorou, melhorou ou está igual?
Dr. André – Piorou, e muito. E eu não gosto da crítica pela crítica. Até valorizo os bons projetos que estão aparecendo na cidade, mas acho que falta preocupação com a dor do cidadão. Qual a primeira reclamação em todas as cidades? A saúde, claro. Em Osasco está em primeiro. Então, não dá para esperar o ano que vem. Tem que resolver este ano. Não dá para esperar porque a dor do cidadão é hoje. Então precisa ter mais agilidade. Tenho certeza que o prefeito quer que a saúde funcione. Pelo menos ele se propôs a isso. Talvez o Cury também tenha essa preocupação. Mas uma coisa é a velocidade da preocupação.

Jairo – E as novidades festejadas, e o INCOR?
Dr. André – O INCOR ainda é incipiente, está sendo implantado. INCOR, sem sombra de dúvidas, é uma equipe técnica da melhor qualidade.

Jairo – Este é o problema do Cury. Falta uma postura mais enérgica, não bate na mesa e diz: olha aqui, ou eu monto a minha equipe ou estou fora.
Dr. André – Vou te dar um exemplo. Nós tivemos a oportunidade na audiência pública da saúde, e eu cobrei dele o seguinte: não está funcionando o raio-x do Osmar Mesquita, o raio-x do Jardim Santo Antonio, nem do Rochdale. E não colocaram ainda o raio-x, um ano depois, do Pronto-Socorro André Sacco. A resposta que eu tive é que o processo licitatório é moroso, que a empresa deixou de prestar serviço. Mas o cidadão que precisa fazer o raio-x não vai esperar processo licitatório. Se o aparelho está quebrado, tem que fazer qualquer coisa para arrumar. Não dá para ficar esperando um processo licitatório. Tem que achar uma forma emergencial para arrumar os equipamentos. Não é comprar um novo. É só trocar as ampolas. Mas tem uma coisa chamada preocupação. Tem que estar preocupado, de direito e de fato, em atender o cidadão. Se o raio-x está quebrado, tem que brigar com todo mundo para que aquele raio-x esteja pronto o quanto antes.

Jairo - Doutor, com toda franqueza que Osasco merece, você acha que o Dr. Cury deveria ser substituído?
Dr. André – Sim.

Jairo - Por quê?
Dr. André – Porque não está conseguindo atingir a rapidez que o povo precisa. O povo precisa de rapidez nas suas ações.

sábado, janeiro 14, 2006

MTST organiza ato político em repúdio à violência policial

Plínio Rodrigues

No dia 13 de janeiro, dezenas de trabalhadores sem teto se reuniram no Sindicato dos Químicos de Osasco para a realização de ato em repúdio a violência policial sofrida pelos movimentos sociais. Na ocasião, lideranças leram parte do relatório descrevendo casos de agressões sofridas no acampamento Carlos Lamarca, em Osasco, na noite do dia 5 de janeiro.

“A violência policial contra os movimentos populares não data de hoje, e esse não é um caso isolado. O que aconteceu no acampamento Carlos Lamarca no último dia 5 foi uma tentativa de repressão e de criminalização de um movimento social legítimo. O que a repressão policial violentamente tenta fazer é transformar a pobreza em crime. É fazer com que trabalhadores sem teto sejam vistos como marginais. Na noite do dia 5 deixaram nua sua face autoritária quando invadiram, sem ordem judicial, o acampamento no Jd. Novo Osasco, agredindo mulheres e crianças gratuitamente, e levando cinco moradores presos. Esses moradores foram agredidos desde o momento em que entraram na viatura, com pancadas de cassetete e spray de pimenta nos olhos. Uma das vítimas não pôde estar presente hoje porque está ameaçada de morte pelos policiais militares”, declarou um dos líderes do MTST. A ação da polícia foi movida por uma suposta denúncia anônima de que havia uma arma escondida no acampamento.

O relatório foi entregue a um ouvidor da polícia militar que estava presente no local e recebeu o documento em mãos. Fora do prédio do sindicado, cinco viaturas da PM permaneceram na rua até o final do ato.



quarta-feira, janeiro 11, 2006

Movimentos organizados mudam história da luta por moradia

MTST sai vitorioso do impasse envolvendo o acampamento Carlos Lamarca, em Osasco, e após 4 despejos consegue na justiça o direito de morar

Plínio Rodrigues - jornalista

Na região metropolitana da grande São Paulo, Osasco se destaca pelo desenvolvimento, tanto populacional como econômico. Próxima à metrópole paulistana, é ponto estratégico para quem procura oportunidade de trabalho em São Paulo, sem pagar os aluguéis caríssimos praticados no município. Porém, apesar do nítido desenvolvimento, bastante alardeado por administrações públicas ao longo dos anos, Osasco é uma cidade periférica, e tem a maior parte de seus habitantes vivendo à margem da margem, ou seja, na periferia da periferia. Osasco se desenvolveu ao passo da industrialização, no subúrbio de São Paulo, o que fez com que o crescimento demográfico da cidade chegasse a 10% ao ano, entre 1950 e 1970.

Esse fator, somado ao aumento de impostos territoriais e o crescimento populacional da capital, fez surgirem, a partir dos anos 1980, várias ocupações irregulares. Desocupações de áreas invadidas em Osasco sempre foram comuns. Os moradores se perguntam: mas por que Osasco? A cidade já está cheia! De fato. Porém, a questão é simples: não adianta querer que a população ocupe áreas rurais, quando o sistema econômico os empurra para os centros urbanos. O fato é que todos têm direito à moradia. De acordo com o artigo 5 da Constituição, a propriedade deve “atender a sua função social”, caso contrário “a lei estabelecerá o procedimento para a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social”. Isso raramente acontece, principalmente nos grandes centros urbanos. Eu mesmo já cansei de ver desocupações ocorrerem em Osasco, São Paulo, Carapicuíba, etc. Quando vai chegando a data estipulada por um juiz, o pessoal já começa a se movimentar, esperando pelo dia da reintegração.

E foi assim que nesse dia 9 de janeiro fui para o acampamento Carlos Lamarca, hoje localizado no Jd. Novo Osasco... esperando ver a mesma cena que presenciei no centro de São Paulo em agosto de 2005, quando policiais militares invadiram um edifício ocupado há três anos, com bala de borracha e spray de pimenta, agindo com a truculência de costume. Lá chegando fui informado de que não haveria despejo, e que o movimento conseguiu revogar a liminar que os poria na rua nessa segunda-feira.

No momento não me dei conta do que havia acontecido, até ler a conclusão do processo de reintegração nas mãos de João Batista, líder do acampamento e um dos organizadores do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto)... perguntei: isso então foi uma vitória do movimento? – Sim, respondeu ele. Após nossa conversa que durou aproximadamente uma hora, saí de lá pensado no quanto os movimentos que lutam por moradia evoluíram. Como disse antes já assisti a muitas reintegrações de posse, e uma das primeiras de que me recordo, foi nos anos oitenta, quando, com minha mãe e minha avó, fui colocado à frente de tratores gritando o famoso jargão: “o povo unido jamais será vencido!” etc. Lembro que naquela época, os movimentos não eram organizados. As lideranças não conheciam as leis, e as massas eram desarticuladas e desconheciam seus direitos... muitos desistiam de lutar e os movimentos se dissolviam a cada reintegração de posse truculenta da PM.

Dessa vez a história foi diferente. Conversando com João, percebi um preparo e uma carga de informação não comum em outros tempos. O MTST, assim como diversos outros movimentos contam com uma infra-estrutura organizada que dá desde assessoria jurídica até cursos e educação de base dentro dos acampamentos. É um trabalho sério, realizado por gente que há muito leva paulada da polícia e é expulsa daqui e dali, mas que não têm outra opção se não voltar a ocupar os espaços públicos não utilizados.

“Cerca de 10% dos equipamentos urbanos de Osasco estão desocupados. Isso contando com edifícios abandonados e áreas livres”, informa João Batista. “Quem é contra as ocupações feitas pelo MTST hoje, também deve ser contra as propriedades que compõem cerca de 60% do estado de São Paulo, e que são fruto de invasões ocorridas no decorrer da história”, completa.


A história do acampamento Carlos Lamarca

Há cerca de quatro anos, as 102 famílias que estão hoje acampadas em uma creche no Jd. Novo Osasco vagam a procura de moradia. Em 2002 montaram pela primeira vez o acampamento Carlos Lamarca, no bairro do Parque dos Príncipes, divisa entre os municípios de São Paulo e Osasco. Foi grande a pressão para sua retirada de lá, já que se tratava de um bairro nobre, e os endinheirados queriam se ver livre do problema o mais rápido possível. Após três meses de negociação, saíram do local com uma promessa do governador do estado e do prefeito de Osasco, que garantiram resolver o problema enviando de imediato os sem-teto para a cidade de Guarulhos, onde ficariam provisoriamente acampados em um ginásio, até que uma área fosse determinada para realocá-los. Promessa não cumprida. Foram novamente arrancados de lá a força.

De volta a Osasco, as famílias ocuparam em fevereiro de 2003 um conjunto de edifícios do ex-deputado Sérgio Naya - aquele que constrói com areia da praia. Obra também embargada à época, e que hoje, após acordos feitos na calada da noite, tem sua conclusão em pleno andamento. Despejados novamente no mesmo ano, os sem-teto ficaram à margem do Rodoanel Mário Covas, de onde foram novamente expulsos pela polícia.

Em 27 de outubro de 2003 os líderes do movimento encontraram novo abrigo para o Carlos Lamarca. Uma creche abandonada há mais de dez anos no bairro do Jd. Novo Osasco, onde estão até hoje.


O desfecho

Após várias tentativas de negociação com a antiga gestão municipal, e depois de terem a reintegração de posse determinada pela juíza Ângela Lopes, da 2ª Vara Cível de Osasco, no dia 5 de janeiro desse ano, os acampados do Carlos Lamarca conseguiram reverter a situação em seu favor. Numa vitória inédita na história das ocupações no município, revogaram a decisão judicial. Dessa vez fizeram valer a lei e permanecem no local.

Apesar da vitória, o movimento ainda tem um importante passo a ser dado. Lá, vivem em condições sub-humanas, com esgoto a céu aberto, barracos minúsculos, com instalações elétricas clandestinas e botijões de gás pra todo canto. O lugar é uma bomba relógio. João explica que não querem ficar ali. “Já negociamos com a prefeitura de Osasco, e vamos entrar no programa do governo federal que dá subsídios para construção de moradia popular. A prefeitura já cedeu o terreno e os moradores já se inscreveram no programa. Agora é uma questão de tempo até as famílias terem um lugar melhor para morar”, diz João Batista. Esperamos que seja assim.